quarta-feira, 29 de junho de 2011

MINHA VILA

Olho a minha volta e vejo toda uma comunidade distante dos carros luxuosos que cruzam a cidade, distante dos altos muros e das ruas calçadas. Minha comunidade é uma vila descalça, empoeirada no seco inverno ensolarado do Maranhão e enlameada nas chuvas torrenciais do verão.
Minha Vila, dividida em pequenas vilas menores, para facilitar a propagação da discriminação talvez. Talvez apenas para satisfazer egos ou homenagear desconhecidas eminências mundiais. É um reduto de minorias, de velhos desamparados e de crianças sem futuro, ou o inverso seria o certo, de velhos sem futuro e de crianças desamparadas.
A vila é isso, um bolsão de pobreza a mercê do mercado externo, da produção e comercialização de ferro gusa, da incerteza do mercado da carne e da construção civil da cidade e de si própria.
A vila levanta as três da manhã e lota velhos ônibus inseguros a caminho dos eucaliptais e das carvoarias, as quatro toma ônibus em direção de frigorífico; as seis começa seu périplo em bicicletas em busca do centro da cidade, as sete horas suas crianças vão a escola e suas mães, as que sobram em casa cuidam de seus afazeres.
Minha Vila, imensa em seus mais de 50 mil habitantes, é quase silenciosa em seu dia, se não fosse seu pequeno comércio de duas ruas e suas poucas e grandes e pequenas escolas. É um grande dormitório de trabalhadores felizes com seu destino e de desempregados inquietos.
Minha Vila não se queixa de seus vilões, moradores de vila eram assim chamados, hoje falamos de vilões privilegiados que enfiaram muros de preconceitos ao redor de minha vila.
Durante os dias de trabalho dorme em seu quase silêncio para acordar ruidosa em seus dias folga. Não há clube ou cinema, mas meninas bonitas, bares, música diversa e furiosa em suas noites de lazer. Mulheres fáceis e drogas que envolvem o fácil prazer pobre. Triste mesmo é saber que só isso parece suficiente. Que esse lazer é patrocinado pelos donos do poder. Na antiguidade, em Roma havia pão e circo, hoje há pão e álcool e degradação.
A Vila poderia ser mais, mais educação, mais cultura, mais satisfação. E não é, não por causa de si ou de seus filhos. Não é por sua importância. Importância eleitoreira e bissexta. Nesse período, a vila trava uma luta entre a verdade e a facilidade da troca mais injusta, sua liberdade por uma cesta-básica, por uma conta de luz, dez reais, um copo de cachaça. E todos se tornam iguais, principalmente aqueles que trazem consigo a verdade.
A verdade torna-se nesse momento e na voz dos donos do poder, radicalismo, incoerência de quem não sabe e não deixa os outros viverem. Então começam novos anos de promessas esquecidas e refeitas, de receitas sem remédios, ou de prédios sem médicos, de escolas sem professores, de poucas salas de aulas e de falta de cadeiras.
A vila acorda as três da manhã, todos os dias de segunda a sábado, todos os meses do ano, todos os anos de sua vida. Não que isso seja de todo mal, pois é sinal de gente trabalhadora. Mas também faz mal acordar tão cedo sem esperança de melhora, sem expectativa de mudança. È desgastante viver sem esperança.
A vila é um grande dormitório que não dorme nas noites de descanso, é descaso isso não é avanço.

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