terça-feira, 29 de julho de 2008

Um Conto

Coragem



O sítio não era o que se pode chamar de grande, tinha uns dois alqueires, uma casa, um galinheiro, um chiqueiro pequeno e um depósito, quem chegava percebia logo pelo estado das terras que seu dono não vivia delas, somente ao redor da casa é que se percebia um esmerado cuidado, a hortinha, o jardim e o terreiro, tudo limpinho de dar gosto. Na casa viviam cinco pessoas, o pai, a mãe e três filhas; Iaiá, Dionísia e Maria do Amparo. O pai, conhecido por todos era o Augusto da Venda, e na venda ele trabalhava do nascer do sol ao escurecer, da venda ele tirava o sustento, e sua venda era a melhor da vila, a maior e a que mais vendia. A mãe, Dona Teté, quando não estava na venda ajudando seu marido, vivia a costurar, a vida no sítio corria por conta das meninas, sendo Iaiá a responsável pelo trabalho da casa e seu redor.

Naquele inverno de 89, as chuvas começaram um pouco mais tarde e mais fortes no sudoeste do Maranhão, no terceiro domingo de janeiro, porém na manhã daquele domingo, após a missa a casa de Augusto recebeu uma visita desconhecida e inesperada, enquanto ele e Maria do Amparo arrumavam a porteira foram abordados por um homem que assim lhes falou:
- Bom dia, posso falá com vocês?
- Sim, em que posso lhe ajudar conterrâneo? Era sempre assim que Augusto atendia as pessoas na venda, e mesmo na vida quando era abordado.
- Pois num é patrão, venho fugino da seca do Piauí, aqui e acolá pedino um prato de comida, trocano por uma diára, limpano uma juquira, consertano uma cerca, sabe patrão, meu nome é Abel, lá no Piauí, dexei a muié e os fís... quero ir pro lado do Pará arrumá trabaio, porém nesse instante, tenho mermo é muita fome...
- Pois num se apoquente, segure aqui essa porteira enquanto eu bato uns prego e depois você almoça conosco, Amparo, diga a sua mãe que hoje nós tem convidado.

Um ano depois desse diálogo encontramos Abel tocando o sítio de Augusto; pedira um prato de comida e foi ficando, pediu pra fazer uma roça e fez, pediu pra fazer um barraco e fez, Augusto estava contente, pois para ele encontrara alguém em quem acreditava poder confiar, o sítio já não era só a casa, a horta e o galinheiro, Abel havia botado roça, arrumado a cerca, limpado a cisterna, e apesar da preocupação de Teté, e do fato de Abel nem se preocupar com a mulher e os filhos no Piauí, o sujeito era trabalhador e de confiança, confiança incontestável. Em dezembro Iaiá fora pedida em casamento, em junho ela se casaria, Dionísia e Amparo, estavam a estudar e a menina Dionísia só falava em ir pra São Luis, Brasília ou São Paulo, logo só ficariam ele e Teté, Augusto já havia até resolvido comprar uma casa na vila, mais perto da venda e mais distante do sítio.Porém Abel, não merecia a confiança que Augusto nele depositara, a mulher e os filhos do Piauí nunca existiram, além da seca, do que Abel fugia mesmo era da polícia, Abel havia matado no Piauí e fugira, graças a distância e a falta de comunicação na Vila, Abel vivia livre e tranqüilo, apesar de Dona Teté dele não gostar, aos poucos Abel fora se tornando “dono do sítio”, mas Abel longe de ter se regenerado, vivia espreitando as meninas durante o banho, e Dionísia, se sentia feliz quando percebia que estava sendo olhada pelo perigo. Dionísia era bonita, tinha uma cabeleira loira, um corpo perfeito, seios médios, cintura fina, quadris largos, porém, levada pela vaidade, talvez, talvez pela carência afetiva, ela não só gostava de ser vista pelo empregado do sítio, como lhe permitia que a tocasse e pedia para que ele a deixasse vê-lo a se masturbar, ou seja, Dionísia, alimentava o desejo doentio de Abel... Todavia, apesar desse relacionamento doentio com Dionísia, Abel se perdia mesmo era quando via Maria do Amparo, em seus doze anos de menina impúbere, em ações privadas, vê-la banhando, o fazia queimar-se em sonhos loucos, sonhos que ele acreditava um dia realizar.

Em junho, Iaiá casou-se e foi morar na fazenda do noivo; em setembro, Dionísia, com 16 anos, fugiu de casa, só se soube muito depois que ela se tornara prostituta no Rio, meio que de desgosto, meio que de doença cardíaca Dona Teté morreu em dezembro e no sítio foram ficando Augusto, Abel e Amparo; ferido pela dor da perda, Augusto quase já não vinha ao sítio, dormia na venda, vinha apenas saber da filha, e a casa na vila que ele comprara, e que reformava quando a mulher morreu, estava como estava no dia da morte dela, com a reforma parada, sem teto, com as paredes nuas, morrendo de tristeza como seu dono.

Maria do Amparo, crescia, a puberdade lhe dera seios, pelos e menstruação, a vida lhe dera a dor, que ela estampava no olhar e que lhe deixara mais bonita ainda do que a irmã fugida. O que fazia Abel imaginar impossíveis e insanas situações onde ele a possuía e se tornava seu senhor, mas a menina lhe era arredia, fugia dele, passava mais horas na venda como o pai do que no sítio, onde só dormia, depois que fechava com tranca todas as portas, as vezes chegava a tentar dizer ao pai do assédio de Abel, mas antes que falasse o pai lhe cortava a conversa e punha-se a elogiar o empregado.

Na véspera do aniversário de quatorze anos, Amparo disse ao pai as cinco e meia da tarde:
- Papai, amanhã completo anos, hoje vou levar uma farinha e um leite pra fazer um bolinho, pra nós dois tomarmos café, por favor papaizinho, durma lá em casa hoje.
- Amparo, sei que lhe tenho sido um pai mei ausente, sei disso minha fia, hoje num vai dá para eu dormi lá, é que tenho uns compromissozinhos assumidos antes, porém prometo chegar lá antes do café e comer seu bolo, mas prometo ir e lhe levá um presente, uma supresa...

A menina então se despediu, beijando-lhe a testa e se dirigiu para sua casa. Augusto então correu na casa vizinha e chamou:
- Terto, ô Terto! Logo um homem de mais ou menos uns quarenta anos veio em sua direção...
- Sim, Seu Augusto, que pressa e essa homem, que bicho lhe mordeu, diga logo?
- Então Terto, vamos faze o negócio, ou não?
- Mas Seu Augusto, minha casa num vale seu sítio e a construção...
- Home... deixe de conversa, eu sei que num vale, ma é que eu quero me livrá do sítio e da construção, as duas coisas me traz muita angustia no peito, além disso Amparo, ta ficando moça, vive lá sozinha... sabe como é... a menina tá na oitava série, logo vai querer ir pra mais longe, o sítio... o sítio num tem importância... Vamo home, fecha o negócio que eu estou lhe ajudando...
- E o Abel? O que eu faço com o Abel, Seu Augusto?
- Ora rapaz, ele ainda num plantou, pago-lhe a limpa da juquira e lhe dou um dinheiro pra que ele volte lá pro Piauí, ele é problema meu...
- Intão tá seu Augusto, a gente faz negócio, mas oi home, é o sinhô que qué assim.
- Home deixe de bobagem e vamo lá na venda tomar tomar um vinhozim pra comemorar. Amanhã bem cedim vô cumê o bolo da Amparo e lhe dá essa notícia, sei que isso vai deixá ela muito contente...

As seis horas da tarde Maria do Amparo chegou ao sítio, quando abria a porta Abel veio ao seu encontro,falando:
- Menina, espere, num feche a porta pro modi tenho coisa séria pra falá cum ocê... Mesmo com medo a menina esperou. Quando o homem a alcançou segurou-lhe pelo braço, empurrou-lhe porta a dentro, com a outra mão tratou de rasgar-lhe a saia, a menina mordeu-lhe o braço, conseguiu escapar da primeira investida, quase alcançou a porta, porém, Abel foi mais rápido, novamente a segurou e deu-lhe um soco no rosto e menina desmaiou, então ele a levou até o quarto jogou-lhe em cima da cama amarrou-lhe os punhos e as pernas com as cordas de uma rede, retirou-lhe o restante da roupa e tocou-lhe por todo o corpo, quando a menina voltou a si ele a possuiu violentamente, e cada grito da vítima ele a esmurrava, a cada tentativa inútil dela, ele a agredia, quando terminou sua tresloucada ação Amparo tinha o rosto coberto de sangue os dois olhos fechados e inchados, então ele foi ao banheiro pegou um balde com água, um pano molhado e começou a limpá-la, quando estava a terminar a menina voltou a si novamente e começou a se debater; aquela ação da garota lhe encheu novamente de desejo e mais uma vez ele a possuiu, durante a posse, retirou a corda dos pulsos dela e colocou em volta do pescoço, no encerramento do ato a enforcou, saiu da casa e se dirigiu ao seu barraco, onde acendeu um cigarro, tinha o corpo suado e as vestes sujas de sangue, mas parecia que não percebera isso.

As sete horas da manhã, Augusto chegou em casa, trazia nas mãos, pão e algumas flores, encontrou a porta da casa aberta e foi entrando...
- Amparo minha fia, vim cumê do bolo...

Da cozinha não veio nenhuma resposta, pra lá ele se dirigiu, na cozinha não havia ninguém e ele retornou a sala, não viu nenhum bolo, nenhum sinal de café, então ele se deparou na frente do quarto da filha a porta aberta e sobre a cama o corpo dela nu, com umas cordas amarradas nos pés, Augusto fechou os olhos, quando os abriu, viu de novo aquela cena que carrega enquanto vive, a filha morta enforcada, desfigurada, bateu-lhe um desespero, sabia que a menina morrera, que ela sofrera, de repente ele viu na mente o criminoso cometendo o crime, percebeu porque Teté não gostava de Abel, entrou em seu quarto pegou o revolver que guardava no armário e saiu, entrou no barraco de Abel uns três minutos depois, o empregado estava lá sentado, ainda sujo de sangue da sua vítima e Augusto lhe falou:
- Seu fí-duma-égua, você vai morrê... Apontou-lhe a arma para a cabeça e outro então lhe disse:
-Mate... por modi que eu matei ela porque ela num me queria, eu num matei só ela não, mate, porque senão eu vô li matá cabra!

Augusto com a arma apontada para o criminoso tremeu, seus olhos se encheram de lágrimas e Augusto não atirou, Abel então foi se aproximando do já entregue Augusto, quando ouviu uma voz feminina a suas costas lhe dizer:
-Morra canalha!

Acordou num hospital algemado, sentiu uma dor nas costas e perguntou ao policial:
- Ei moço, que to fazeno aqui?
E o policial:
- Cala tua boca pilantra, sua sorte é que a Dona Iaiá errou o lado da facada, botô a faca do seu lado esquerdo, porém você tem tanta sorte que o seu coração é do lado direito...
- E o pai dela... o pai dela?
- Esse, ainda hoje chora a fia mais nova, que você matou... Agora se cale.

Durante o julgamento, quando perguntado pela promotoria porque não matou a Abel, Augusto trêmulo e com os olhos cheio d’água respondeu:
- Moço, me faltou coragem!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa,Estremamente tocante, com detalhes q se nao houver atenção durante a leitura, se passam por despercebidos. Mto bem preparado, com um desfeche incrível e irônico, como poucos sabem fazer. Parabéns! Você é meu ídolo!