segunda-feira, 22 de junho de 2009

Intriga

Ao colocar a mão na maçaneta da porta da casa ele percebe que estava apenas encostada, despreocupadamente abriu e entrou, afinal de contas outras vezes a esquecera aberta, lá dentro se dirigiu a cozinha onde abriu a geladeira e retirou a panela com feijão, na prateleira pegou a frigideira , colocou sobre a outra boca de fogo, apanhou uns ovos. Assim levava sua vida a trabalhar na sua roça e a comer de chofre sem os cuidados de uma mulher desde que Helena se mudara para a cidade, com o intuito de cuidar de Sinvalzinho, pois em Tremembé dizia ela, estava mais perto do socorro médico e o menino tinha umas crises graves de bronquite. Médico era só o modo de ela dizer, na verdade o menino teria o socorro do enfermeiro Jair, o melhor amigo que ele tinha e um enfermeiro de mão cheia. Enquanto pensava o feijão esquentou, despejou duas conchas no prato fundo, jogou a farinha por cima mexeu o ovo para mistura-lo a cebola picada e jogou por cima feijão com farinha, abriu a geladeira pegou um vidro de pimenta, um copo e uma vasilha d’água sentou-se em frente ao prato e comeu aquela comida simples como se fosse um manjar, ao terminar pôs o prato na pia e se dirigiu a sala, lá chegando recostou-se em sua cadeira-de-balanço para fazer uma pequena e rotineira cesta quando percebeu sobre a mesa um envelope amarelo; o pegou em sua mãos, estava endereçado a ele, mas não havia remetente, abriu-o e retirou uma folha de caderno manuscrita, começou a lê-la:


“Tremembé-Ba; 14 de junho de 1989.

Caro Amigo:

Sei que o Senhor está construindo seu futuro, com o sonho de mais tarde poder dizê a seu filho o quanto fez por ele, por isso passa a semana nesse mato, só vindo a nossa amada Tremembé nos sábados e retornando nas segundas pela manhã, isso eu tenho visto e isso me faz admira-lo. Por essa razão é que mesmo sem querê é que lhe escrevo essa missiva.
Meu caro, sua esposa Helena, a quem o senhor tanto ama, mão merece o amor que lhe tem.
Seu amigo Jair enfermeiro, não merece a amizade que o senhor lhe nutre.
Por duas semanas, com essa que meia completará a terceira, que tenho notado que sua esposa abre aporta para seu amigo as 10 da noite, e ele só sai as seis da manhã, outra noite esqueceram a janela do quarto aberta e de onde estava pude vê o cabra a beijá dona Helena efusivamente enquanto tiravam as vestes, ai perceberam o erro e fecharam a janela, ouvi que sorriam.
O senhor chega no sábado as oito da manhã, se se deitasse perceberia que sua cama está quente. Ainda outro dia vi o senhor devolver o relógio que o safado esqueceu em sua casa na noite anterior, desculpa dada por sua mulher, foi que ele tinha ido socorrer o menino...
Caro amigo o senhor, sinto muito:

É UM CORNO!

Um Amigo!”

Ele leu a carta novamente, como se engolisse cada palavra daquele apócrifo, a sua vida passou na sua frente, tentou se levantar da cadeira, mas suas pernas não conseguiram firmar seu corpo, escorou a cabeça com os ombros... “Aquilo não podia ser verdade”. E gritou pra dentro:
- É verdade... sim era a mais pura verdade e ela estava na nossa história de vida... Uma lágrima vincou-lhe o rosto tentou segurar o pranto, mas não conseguiu, soluços fizeram o choro romper seus preconceitos, chorou por mais de vinte minutos em meio do choro ouviu uma voz vinda do exterior...
- Seu Sinval... ei home ta cunteceno alguma coisa por aí... Limpou o rosto engoliu o pranto, secou a garganta e respondeu: - Não Ernandes, num tem nada acontecendo não.
- Já tamo ino continuá a poda o sinhô vai mai nóis...
- Pode ir, chego mais tarde... pra ver o resultado, até mais!
- Certo seu Sinval intonce eu mais Noca já vamo.
Ouviu os passos descendo alameda, então percebeu o maldito bilhete em suas pernas borrado pelas lágrimas, releu-o e o pensamento voltou-se a 85, a casa de sua mãe, ouviu a voz de sua mãe:
- Sinval deixe essa menina em paz meu filho, é só uma menina desse maldito lugar, sem futuro e sem saber, além disso ela não gosta de você meu filho, só vai lhe fazer sofrer...
Sua mãe morreu sem concordar com o seu casamento, achando que Helena não era a mulher ideal, seu pensamento em profusão o leva a outra discussão com a a mãe.
- Mãe, eu vou me casar com Helena porque vou comprar ela.
- Se seu pai ainda vivesse não permitiria sequer que você falasse isso. Mulher não se compra e mulher que se vende não serve para ser esposa, só pra ser puta.
O velho Sinval Neves morrera em 83, vítima de um câncer no pulmão, chegara a Tremembé em 60, adquirira 50 hectares de terra a beira do Baiano e grilara 950 hectares, casara com Dona Inês Melo em Ubatã e com ela tivera apenas ele, um filho que nunca quis estudar mais do que o ginásio apesar dos desejo expresso do pai.
Quando o velho morreu já tinha 26 anos e pensava em se casar, sua mãe queria que ele fosse a Ubatã ou a Ipiaú buscar alguém mais preparada para tomar conta da casa, nunca foi. Mas ele, em 85 vira a menina-moça Helena, 13 anos num corpo sinuoso, numa pele morena, a lindeza da baianidade praieira e desejou aquela menina e contra todos os argumentos maternos comprou Helena por uma casa e uma venda de secos e molhados para o pai dela e a fez sua mulher.
Vê-se então no dia do casamento, recebendo Helena da mão de seu Raimundo, o sorriso mais brilhante que já vira em sua vida. Recorda-se amando Helena, a nudez celestial de Helena, seus seios, seu umbigo, seu sexo... o cheiro de Helena virgem lhe penetra o nariz de novo, ainda hoje quando a ama o cheiro dela dá-lhe um sabor de virgindade.
Seus pensamentos levam-lhe ao nascimento de seu filho, a felicidade de ver seu menino nascer, ali naquele instante com o amigo Jair a fazer o parto ninguém estava mais feliz que ele, (Sinval)
E Jair, Jair era um cara bonito e inteligente cresceram juntos, terminara o ginásio graças ao amigo, Jair fora embora estudar medicina, mas como não conseguira ser aprovado na UFBA, fizera um curso de enfermagem e devido aos pedidos de seu pai retornara, voltara casado com uma moça de Salvador que três meses depois o abandonara e também um menino, ela havia dito que não se acostumava a vida de rotina de Tremembé.
O seu pensamento fervilhante o leva ao filho asmático com dois anos, era uma bronquite alérgica, e ele soluça, mas segura o pranto se levanta as pernas já não tremem, vai até o quarto senta-se a cabeceira da cama, abre a gaveta do criado mudo e puxa um revolver trinta e oito, abre o tambor, descarrega a arma, pega o óleo vegetal e começa a lubrificá-la, ao terminar recarrega e a coloca sobre a cama, levanta-se vai ao guarda-roupa escolhe uma calça escura e uma camisa preta as deixa sobre a cama, tira a roupa, pega a toalha e sai do quarto, entra no banheiro e banha-se; a água cai-lhe pelo corpo ele demora-se quase uma hora banhando. Sai, veste as roupas calça o sapato e coloca o revolver na cintura, aquele revolver parecia ter o peso de uma tonelada para Sinval, mesmo assim, apruma o corpo fecha a janela, rapidamente chega a porta da casa sai e desta vez tranca a porta, tranca e confere, sobe na picap, liga o veículo e sai como fazia todos os dias quando ia a cidade.
A mulher de Ernandes ao ver que o patrão saia lhe faz sinais e grita: - Seu Sinval, Ei seu Sinval... O sinhô vai pra rua... responde apressado. – Vô não, vô até a venda de seu Tibério! – Oxe... o Sinhô nunca vai lá....- Deixe de cunversa que eu tô com pressa.
Acelerou o carro antes que mulher pudesse lhe dizer ou pedir alguma coisa. Em vão ela lhe chamou: - Seu Sinval... ei... nossa parece que vai salvá um doente... nessa pressa...
Meia hora depois estaciona o carro na frente da venda do Tibério e da porta fala:
- Quero um litro de uísque, daquele que meu pai bebia...
- Seu moço, tem mais não, seu tio bebeu o último a sumana passada...Respondeu o homem atrás do balcão
- Então me vê um litro de conhaque macieira...
- É pra já meu bom.
O litro veio acompanhado de um copo, que ele rejeitou e começou a beber pelo gargalo. – O moço tá cum sede... – Escuta Tibério quem desceu a bocana de minha fazenda hoje entre 10 e 11 horas? Perguntou após beber o primeiro trago e sem deixar o outro concluir sua frase. – Vi não home, nessa hora estava matando e tratando um porco pra nóis... Pro mode quê? – Por nada não. Falou e votou a beber. O dono da venda ainda tentou conversar com ele, mas Sinval passou a responder-lhe por monólogos, bebeu o litro de conhaque em menos de uma hora, bebeu e levantou-se ao lado do carro vomitou, voltou e pediu uma cerveja, aceitou um sarapatel que o vendeiro lhe ofereceu, bebeu sozinho mais uma quatro cervejas, pagou sem discutir o preço e saiu.
Guiava a picap bem devagar como se quisesse atrasar sua chegada a Tremembé, na última curva estacionou o carro, desceu e olhou o relógio era oito horas da noite, então tomou o caminho pedregulhoso e caminhou por mais de 1,5 quilômetros até a beira do rio Baiano, naquele ponto o rio ganhava uma queda d’água bonita e ele parou a sentou-se e ficou como se estivesse a contemplar, na penumbra daquela o que via era o lençol branco a descer e se perder na escuridão, sua mente voltava-se a Helena, aquela hora o que ela estava a fazer? Estava se banhar, a se perfumar e a aguardar pelo seu amante... toda a bebida que havia consumido no Tibério já não lhe fazia efeito, olhou o relógio, o tempo voara faltavam quinze para as 10.
Naquele instante, a casa amarela da Rua da Esperança, a maior casa dessa rua abria sua porta e sorrateiramente Jair entrava , entrava e beijava a boca da mulher que lhe abrira a porta. Sem conversas, abraçados se dirigiram ao quarto e se começaram a fazer amor sofregamente.
Sinval descia a rua com sua picap, rua silenciosa e vazia, poucas casas tinham janelas abertas, o carro ia devagar no ponto morto, o estacionou em frente a venda do sogro de sua casa, que aquele hora dormia, a uns 50 metros de sua casa, enfiou a mão no porta-luvas trouxe o revolver, abriu-lhe o tambor e conferiu a munição, desceu do carro e o colocou na cintura, silenciosamente caminhou até o portão de sua casa, observou que a luz da sala estava acesa, lembrou-se que ao abrir o portão rangeria e sem muitos ruídos saltou o muro. Do outro lado alguém escondido na penumbra da sombra de uma mangueira sorria observando seus gestos.
Na porta levou a chave e girou-a, sem ruídos a porta se abriu, caminhou até a porta de quarto, lá de dentro gemidos e gritinhos de prazer denunciavam que os amantes estavam se amando, olhou o relógio eram 10:10 puxou o revolver, abriu a porta devagar. Jair estava nu de costas para ele e sua mulher de quatro em cima de sua cama era segura pelos longos cabelos como ele, (Sinval), jamais fizera.
Encostou o revolver na cabeça do amigo e disparou, Helena pôs-se a gritar enquanto o peso do amante a prendia, então Sinval virou o revolver em sua direção e disparou duas vezes, um tiro a atingiu as costas na altura do peito esquerdo, o segundo a atingiu na face abaixo da orelha direita. Verificou se ambos estavam mortos, confirmando, caminhou até a porta do quarto posicionou o cano do revolver no lóbulo atrás de sua orelha direita e puxou o gatilho.
Pouco tempo depois a casa era invadida por vizinhos, no meio deles a pessoa que sorria sob a mangueira se satisfazia ao ver os três corpos estendidos no quarto.

Nenhum comentário: